A boa-fé objetiva é um princípio fundamental do direito, especialmente no âmbito das obrigações e contratos. Ao contrário da boa-fé subjetiva, que se relaciona com a intenção pessoal de um agente, a boa-fé objetiva se concentra na conduta esperada das partes e no respeito aos direitos e interesses de todos os envolvidos.
Este artigo abordará alguns dos conceitos relacionados à boa-fé objetiva, como o venire contra factum proprium, supressio, surrectio e tu quoque, além de discutir como os advogados podem atuar de forma eficaz nessa área.
1. Venire Contra Factum Proprium
O princípio do venire contra factum proprium diz respeito à proibição de que uma parte aja de forma contrária à sua própria conduta anterior. Isso significa que, uma vez que uma parte adota um comportamento que gera expectativas na outra, não pode voltar atrás e agir de modo contrário. Essa proteção à confiança criada é crucial para a segurança jurídica, pois evita que uma parte prejudique a outra em virtude de mudanças arbitrárias de posição.
Exemplo: Se uma pessoa, em uma negociação, afirma que um determinado documento não é essencial e, com base nessa afirmação, a outra parte investe tempo e recursos, a primeira não poderá depois exigir a apresentação desse documento.
2. Supressio
A supressio ocorre quando uma parte deixa de exercer um direito que poderia invocar, levando a outra parte a acreditar que esse direito não será mais exigido. Em situações onde uma parte não exerce um direito por um tempo considerável, pode-se inferir que houve uma desistência tácita desse direito. Isso é importante para a boa-fé, pois protege aqueles que confiam na inação de outra parte.
Exemplo: Se um credor não cobra uma dívida por vários anos, o devedor pode razoavelmente acreditar que a dívida foi perdoada, especialmente se houver indícios de que o credor está ciente do fato e não se opõe a essa interpretação.
3. Surrectio
A surrectio diz respeito à possibilidade de reivindicar um direito que havia sido suprimido ou não exercido. Enquanto a supressio pode levar à renúncia, a surrectio permite que a parte que não exerceu um direito possa, sob certas condições, reivindicá-lo novamente, respeitando sempre os limites da boa-fé e as expectativas legítimas criadas em relação a essa omissão.
Exemplo: Um locador que não exige o pagamento do aluguel por um período pode, sob certas circunstâncias, reaver esse direito se o inquilino agir de má-fé ou tentar se aproveitar da situação.
4. Tu Quoque
O princípio do tu quoque (também conhecido como “você também”) é uma defesa utilizada em situações onde a parte contrária tenta alegar uma violação da boa-fé, enquanto ela mesma não atua de acordo com esse princípio. Em essência, é uma tentativa de desqualificar a reclamação da outra parte ao demonstrar que ela também não agiu de boa-fé. Embora não seja uma justificativa válida para a má conduta, o tu quoque revela a necessidade de que todas as partes mantenham padrões éticos em suas interações.
Exemplo: Se um credor processa um devedor por inadimplemento, mas também está em falta com outro credor, o devedor pode usar essa conduta como defesa, argumentando que o credor não está em posição de exigir cumprimento.
Conclusão
A boa-fé objetiva é um pilar das relações jurídicas que busca garantir equidade e justiça. Conceitos como venire contra factum proprium, supressio, surrectio e tu quoque complementam esse princípio, reforçando a necessidade de honestidade e previsibilidade nas interações. Ao respeitar essas diretrizes, as partes envolvidas podem promover um ambiente mais seguro e confiável, minimizando litígios e fortalecendo os laços contratuais.
O advogado, portanto, tem um papel crucial na promoção desse princípio, ao aconselhar seus clientes sobre como agir de forma ética e transparente. Além disso, deve estar preparado para lidar com questões de boa-fé em litígios, utilizando argumentos baseados nos princípios do venire contra factum proprium, supressio, surrectio e tu quoque.
Ao atuar como mediador em conflitos, o advogado pode ajudar a encontrar soluções que preservem a boa-fé entre as partes, evitando disputas judiciais desnecessárias. Em contratos, a orientação para a inclusão de cláusulas que reflitam a boa-fé objetiva pode prevenir problemas futuros e garantir um relacionamento mais harmonioso entre as partes. Assim, ao reconhecer e aplicar a boa-fé objetiva em suas práticas, o advogado não só protege os interesses de seus clientes, mas também contribui para um ambiente jurídico mais justo e confiável.